A ECONOMIA NO ANTIGO REGIME
“Na passagem de Quinhentos para Seiscentos, Portugal encaminha-se para a sua formação económico-social moderna” (Castro, 1982: 219). Tal deveu-se essencialmente a dois fatores: o aumento do volume do comércio ultramarino (produtos exóticos, escravos, ouro, açúcar) e um novo sistema de relações económicas com uma Europa saída da crise provocada pela Guerra dos Cem Anos.
A prioridade ultramarina retira à agricultura metropolitana um desempenho de menor relevo na definição do quadro económico português. No entanto, o setor da atividade agrícola é ainda determinante na sociedade já que representa a subsistência dos povos e a posse das terras bem como o fortalecimento da economia, pelos incentivos da Coroa e a convicção dos particulares.
O Predomínio da economia rural
A agricultura foi a atividade dominante na economia do Antigo Regime, a qual ocupava a maior parte da população trabalhadora. Em Portugal e demais países europeus, as técnicas agrícolas e a forma de explorar a terra eram rudimentares. Os instrumentos eram simples, de madeira e de ferro, e os adubos de origem animal ou vegetal.
Nessa época, a prática do pousio era habitual. Os trabalhos agrícolas executavam-se recorrendo à força dos animais e do homem. Em resultado do atraso técnico, a produtividade era baixa. Por isso, sucediam-se os maus anos agrícolas e as fomes que afetavam, sobretudo, os estratos populares.
A paisagem cultivada era ocupada principalmente por cereais e duas culturas mais caracteristicamente mediterrânicas, a vinha e a oliveira. Os cereais eram o produto agrícola, por excelência, os quais dominavam a superfície cultivada e as preocupações das populações, visto tratar-se das subsistências alimentares mais básicas. O Noroeste, menos quente e mais húmido, era propício ao cultivo do milho maís, cereal de regadio, que aí se difundiu com extrema rapidez durante o século XVII, tornando-se a cultura dominante, e expandindo-se depois para sul, até à Estremadura.
A vinha ocupava o segundo lugar na «hierarquia» agrícola portuguesa, logo atrás das culturas arvenses. Encontrava-se bastante disseminada pelo País e, a partir dos finais do século XVII, conheceu uma expansão notável.
Quanto à oliveira, encontrava-se predominantemente na metade sul do País, embora continuasse a sua lenta propagação para norte. Aliás, foi neste período que a oliveira, ao atingir alguns pontos no Minho e em Trás-os-Montes, completou, nas suas linhas gerais, a geografia de implementação máxima possível face aos condicionalismos edafo-climáticos do País.
Existiam outras culturas tais como as árvores de fruto, desde as mais tipicamente mediterrânicas (figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras), especialmente abundantes no Algarve, onde constituíam mesmo o suporte da respetiva economia, até aos pomares de maçã e de pera das regiões de Lisboa, Colares, Setúbal, Montemor-o-Novo, Abrantes, Alcobaça ou Penela, passando pelas frutas de caroço e de espinho, tão características da península de Setúbal ou das regiões de Coimbra e Lamego.
Podemos dizer que o sistema fundiário do Antigo Regime apresenta duas características essenciais. A primeira é que a propriedade primordial da terra estava bastante concentrada, fundamentalmente, na posse do rei e da coroa, bem como do clero e da nobreza que sujeitavam os camponeses a numerosas rendas.
A segunda característica essencial deste sistema consistia numa acentuada dissociação entre a propriedade da terra e a sua exploração direta, que se projetava, ou que era acompanhada, por uma igual dissociação entre a apropriação do rendimento líquido agrário e a sua produção.
A generalização do sistema contratual sobre a economia agrícola e as condições de exploração da terra eram, regra geral, apontados como negativos pela maior parte da literatura coeva da reflexão agrarista. Desde logo porque, com poucas exceções, os contratos agrários, pela sua própria natureza, implicavam uma relação precária com a terra, inibindo assim os produtores de fazerem investimentos duradouros, e até mesmo de aumentarem a produção (no caso dos contratos assentes em prestações proporcionais às colheitas). Além disso, os contratos dificultavam as ações de reconversão cultural das explorações, ora porque as impediam expressamente, ora porque discriminavam os produtos em que deveriam ser satisfeitos os encargos contratuais, prendendo, assim, à respetiva produção os que a eles estavam obrigados. Nesta medida, condicionavam bastante a flexibilidade das explorações agrícolas perante as tendências do mercado. Mas o seu principal problema consistia na descapitalização da exploração direta, dado que, necessariamente, uma parte do rendimento líquido agrícola aí gerado era expropriado sob a forma de prestações contratuais.
O dinamismo da economia mercantil
O comércio externo que inclui o comércio colonial foi o setor mais dinâmico da economia e o principal responsável pela criação de riqueza, pública ou privada, apropriada internamente ou transferida para o estrangeiro. A economia portuguesa moderna assentava sobre três espaços económicos distintos – o ultramarino, o metropolitano e o luso-europeu. O comércio externo dependia mais da mercadoria vinda do Ultramar do que da exportada diretamente pela Metrópole. Contudo, esta também teve um papel de relevo no tráfico com a Europa.
No Atlântico Sul, as trocas comerciais faziam-se entre Portugal e a África (fornecedora de escravos) e o Brasil (donde recebíamos grandes carregamentos de açúcar e tabaco). Daí o nome de comércio triangular, dado às trocas comerciais entre as três regiões.
Tem-se frequentemente classificado este sistema de triangular (Portugal-África- Brasil), o que, todavia, só é parcial ou teoricamente verdadeiro. Em primeiro lugar, porque as relações eram, com frequência, bilaterais e não trilaterais (só Portugal-Brasil ou só África- Brasil). Em segundo lugar devido à intromissão de holandeses, franceses, ingleses e espanhóis nestes tráficos (pelas vias do contrabando, do corso organizado e, até, das autorizações concedidas pela coroa), quer pelo facto de o funcionamento do sistema português atlântico depender, a montante, de abastecimentos e de capitais de origem europeia, e, a jusante, dos mercados de escoamento também europeus.
No século XVII, o Atlântico tornou-se na grande área da economia portuguesa, suplantando a custosa e longa rota do Cabo para o Índico.
Contudo, a economia portuguesa do Antigo Regime conheceu fases de expansão e de crise.
A crise do século XVII
A economia portuguesa passou, na 2ª metade do século XVII, por uma grave crise. Para isso, contribuíram os seguintes fatores:
Perante a gravidade da crise, vários políticos e economistas portugueses defenderam a aplicação entre nós das ideias mercantilistas. Um desses defensores foi Duarte Ribeiro de Macedo, nosso diplomata em França, país onde estas ideias estavam em voga.
A solução para a crise – o fomento manufatureiro
De acordo com o mercantilismo, a riqueza de um país dependia da quantidade de metais preciosos que possuía. Ora, para isso, era preciso desenvolver as manufacturas de modo a aumentar as exportações e a diminuir as importações. Dessa forma, o ouro e a prata, com que se faziam as transações, entravam nos cofres do Estado. Por outro lado, para proteger a indústria nacional, era preciso proibir ou limitar a importação de produtos de luxo e de artigos concorrentes.
Estas ideias, importadas de França, foram aplicadas entre 1675 e 1689, pelo Conde da Ericeira, vedor da Fazenda de D. Pedro II. Para o efeito contratou operários especializados em vários países da Europa, fomentou manufaturas (lanifícios, couro, ferro, construção naval) e protegeu-as através de pragmáticas.
Mas por falta de estruturas e devido à concorrência estrangeira, não se alcançou os resultados esperados. Para além disso, duas outras circunstâncias afetaram a nossa indústria:
Assim, a abundância de ouro e o Tratado de Methwen prejudicaram a indústria nacional.
Fábrica em Barcarena
Lisboa, 14 de Julho de 1773
Foi concedida licença a Francisco Mailhol, francês de nação, para instalar uma fábrica de cobertores de lã, silezias, droguetes e panos no sítio da Barcarena, no termo da cidade de Lisboa.
Todos os materiais importados ficam isentos de pagar direitos de dízima e sisa, pelo espaço de dez anos, incluindo carvão de pedra quando possa usar dele em lugar de lenha.
O marquês de Pombal concede estas regalias, animado pelo exemplo da Fábrica dos Lanifícios da Covilhã, que produziu utilíssimos efeitos na feitura dos panos para o fardamento das tropas e no desenvolvimento do uso dos panos nacionais em geral.
John Methwen leva a melhor
Tecidos ingleses em troca de vinho
Lisboa, 27 de Dezembro de 1703
Foi assinado o seguinte tratado de comércio entre Portugal e Inglaterra:
ART. I – «Sua Majestade El-Rei de Portugal promete, tanto em seu próprio nome como dos seus sucessores, admitir para sempre daqui em diante no Reino de Portugal os panos de lã e as mais fábricas de lanifícios da Inglaterra, como era costume até ao tempo que foram proibidas pelas leis, não obstante qualquer condição em contrário.
ART. II – É estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade britânica, em seu próprio nome e no dos seus sucessores, será obrigada, para sempre e daqui em diante, a admitir na Inglaterra os vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo algum (haja paz ou guerra entre os Reis de Inglaterra ou de França) não se poderá exigir de direitos de alfândega nestes vinhos, ou debaixo de qualquer outro tributo, directa ou indirectamente, ou sejam transportados para Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outra vasilha, que seja mais do que o que se costuma pedir para igual quantidade ou medida de França, diminuindo ou abatendo uma terça parte do dinheiro do costume»
Lei contra o luxo
Lisboa, 25 de Janeiro de 1677
Foi publicada uma pragmática que proíbe no trajar dos homens os regalos, os lacinhos, as plumas, as rendas-borlas, capotes de seda, bengalas de castão de ouro com pedras.Às mulheres é proibido o uso de ouro e prata nas mangas, excesso de fitas nos cabelos e outros atavios custosos.
Diz o artigo 4 da dita pragmática: «Nenhuma pessoa se poderá vestir de pano que não seja fabricado neste Reino, como também não poderá usar de voltas de rendas, cintos, boldriés e chapéus que não sejam feitos nele.»
O objectivo é proteger a indústria nacional e evitar a saída do ouro e da prata. Mas o contrabando consegue iludir todas as proibições. A moda vem de França.
Faltam indústrias no Reino diz Duarte Ribeiro de Macedo
Lisboa, 1675
O ilustre diplomata e escritor Duarte Ribeiro de Macedo deu à estampa uma obra a que chamou Discurso sobre a Introdução das Artes e Ofícios neste Reino. Nela propõe o desenvolvimento da indústria, que é a principal fonte de riqueza e o meio mais seguro para evitar que saia o ouro, «sangue da monarquia», para pagar as importações. Não bastam as pragmáticas, isto é, não basta publicar leis que proíbam estas importações. É preciso produzir ao máximo, para vender ao máximo. É a indústria que faz nascer o dinheiro.
Diz o Dr. Ribeiro de Macedo que este mal de comprar sem vender «pede remédio pronto; porque, se continua, perder-se-ão as Conquistas e o Reino.»
Mais amoreiras para haver seda
Lisboa, 25 de Setembro de 1678
Foi publicado um decreto para estimular o plantio da amoreira. Nela se recomenda à Câmara de Lisboa que faça plantar as amoreiras «na maior quantidadeque puder ser, nos campos, hortas, baldios e mais sítios que se achar capazes».
Já está a funcionar uma fábrica de sedas com um tear de fitas, às portas de Santa Catarina. É dirigida pelo francês Roland du Clos, por Francisco Lopes Franco e por João Saraiva da Costa.
Está prevista a compra de cinquenta teares ingleses para lavrar tafetás, gorgorões, galas, primaveras, cetins e telas.Também está previsto o fabrico de meias.
Assim se tenta lutar contra o luxo que vem do estrangeiro e que leva o ouro que se considera o sangue das nações.
O conde da Ericeira apresenta a sua obra
Lisboa, 1 de Março de 1679
O conde da Ericeira escreveu ao Santo Ofício pedindo-lhe ajuda no financiamento do seu plano de fomento económico. Diz na referida carta: «Das manufacturas posso segurar que parece que Deus quer que elas se estabeleçam neste Reino, porque não é crível a multidão de dificuldades que se têm vencido. A perfeição das baetas e sarjas da Covilhã tem chegado ao último ponto, não havendo pessoa alguma que o não confesse, estando já tão independentes dos ingleses os nossos mestres portugueses, que tudo o que se obra é pelas suas mãos. O número dos teares vai crescendo e só falta para chegarem a maior parte dos necessários, virem algumas tintas de Inglaterra.
Para Estremoz passei os ingleses para verem se podem levantar segunda fábrica. Enxárcias e lonas, é matéria já corrente. Ferro está contratado com grandes esperanças de se conseguir um grande negócio. Duclo vai de vento em popa na fabricação de brocados, sedas e meiasde fitas.»
Para melhores resultados propõe que a Inquisição invista na indústria as fortunas confiscadas aos judeus.