As formas políticas do Antigo Regime
O Antigo Regime refere-se ao sistema social e político aristocrático estabelecido na França. Este estilo de governo marcou a Europa na Idade Moderna. Na esfera política era caracterizado pelo absolutismo, ou seja, uma monarquia absolutista, na qual o soberano concentrava em si os poderes executivo, legislativo e judicial. Na economia, vigorava o mercantilismo. As formas políticas do Antigo Regime não são uniformes nem homogéneas. Sendo assim, é possível definir cinco tipos de regimes políticos distintos: as sociedades feudais, as repúblicas patrícias, a monarquia absoluta e administrativa, o despotismo esclarecido e o regime britânico.
Dos cinco é o tipo mais antigo. É também, sem dúvida, o mais universal, o mais difundido, talvez por ser o mais económico e é um modelo adaptado ás sociedades da Idade Média. Sobreviveu até ao século XIX/XX. Neste tipo de governo verificava-se a ausência de um poder central. A realidade do poder está nas mãos dos barões em Inglaterra, dos duques no Império e dos príncipes nos outros lugares. No feudalismo, o suserano nem sempre é hereditário, era mais frequentemente escolhido pelos seus pares permanecendo a monarquia eletiva. Foi o que aconteceu com a monarquia francesa nas suas origens, quando Hugo Capeto foi escolhido pelos seus principais barões.
Um outro traço constitutivo do feudalismo é a existência de laços pessoais. Na Idade Média, e ainda no antigo regime, os laços são pessoais. Os indivíduos estão integrados em toda uma rede de relações interindividuais: o vassalo presta homenagem ao seu suserano e ambos estão ligados por uma religião do juramento que os obriga. O suserano deve ao seu vassalo auxílio e proteção e, em troca, o vassalo presta-lhe assistência e conselho. O mesmo se passa em todos os escalões da sociedade e define tanto as relações no interior das ordens privilegiadas como as relações entre o senhor e os seus camponeses. As relações entre o senhor e os seus camponeses são do tipo pessoal.
Nos meados do século XVIII, a situação do feudalismo declina. A evolução económica emancipa os indivíduos, a irrupção do dinheiro nas relações sociais liberta as pessoas que podem resgatar-se dos contratos, o crescimento de uma sociedade urbana veio perturbar este regime político. No entanto, o feudalismo também foi combatido pela afirmação da soberania do Estado sob a sua monárquica e, por outro lado, pela ascensão de uma burguesia cujos interesses são solidários da monarquia contra as sobrevivências do feudalismo.
Trata-se de uma república urbana na qual o poder estava nas mãos de uma oligarquia que era burguesa. É mais precisamente a expressão política da civilização das cidades, ligadas à atividade comercial, à presença das feiras, às trocas no interior da Europa ou com os outros continentes. Esta civilização traduz-se por um regime de tipo especial. Estas repúblicas têm em comum o facto de se governarem livremente: é o que significa na época república, que não é sinónimo de democracia. As democracias são mais do tipo autoritário e ditatorial e as repúblicas liberais e oligárquicas.
O poder é detido por uma minoria. É geralmente colegial, o que contribui para o diferenciar dos regimes do tipo monárquico, e a sua origem é geralmente eletiva. O patriciado, condição que se adquire pelo pagamento ou por uma concessão jurídica, designa no seu seio notáveis que constituem o governo colegial, frequentemente denominado "o magistrado". O termo designa uma entidade coletiva. O patriciado detém o poder, sendo o povo mantido na dependência.
Muito antiga na sua essência, o poder de um só, a instituição monárquica distingue-se por este aspeto das outras formas de regimes caracterizadas pela pluralidade, que reside, no caso do feudalismo no desmembramento da autoridade e, no caso das repúblicas patrícias, nos executivos colegiais. A instituição monárquica define-se assim pela unicidade do soberano e pelo poder pessoal. O absolutismo consiste num poder que não é partilhado e reside inteiramente na pessoa do rei. A soberania é absoluta em todas as ordens, tanto no exterior como no interior. O rei não reconhece nem autoridade nem suserania, nem mesmo a do papa, já que o rei de França é independente da Santa Sé. A sua soberania também é absoluta no seu interior, onde todos obedecem ao rei, onde tudo lhe está subordinado.
É esta a concepção que preside à noção de monarquia absoluta. A instituição do absolutismo monárquico é o corolário de uma longa evolução, resultante de diversos fatores: ao longo de vários séculos todo um movimento devolveu o valor à ideia de Estado, o movimento dos juristas e dos teólogos a favor da autoridade monárquica é reforçado por uma parte da opinião pública e as transformações da sociedade beneficiam a autoridade real.
O absolutismo sobrepõe-se às outras formas políticas. O soberano, por mais absoluto que seja, não goza de todas as facilidades práticas que o progresso técnico põe à disposição dos governos contemporâneos.
O regime britânico trata-se de uma monarquia hereditária não absoluta. Na Inglaterra setecentista uma aristocracia poderosa e honrada que goza do respeito e da consideração geral detém o essencial do poderio, o monopólio da administração local, os poderes de polícia, e de justiça, que lhe pertencem hereditariamente. A aristocracia inglesa era aberta ao talento e à fortuna. O rei é obrigado a contar com o Parlamento, do qual deve obter o consentimento para a aprovação dos impostos e o recrutamento das tropas. É em Inglaterra que surge, pela primeira vez, um fenómeno que se revelou importante para o funcionamento dos regimes políticos. O Parlamento e o corpo político dividem-se entre uma maioria e uma minoria. O regime eleitoral é o da maioria relativa a uma volta, vencendo o candidato com maior número de votos, mesmo que não tenha obtido a maioria absoluta dos sufrágios. Temos então um regime representativo, eletivo, aristocrata e liberal.
Paradigmas Políticos
A sociedade moderna concebia-se a si mesmo como um corpo. A sua constituição teria origem na natureza. A vontade, quer do rei quer dos súbditos reunidos não a podia alterar. Os diversos órgãos sociais (famílias, Igrejas, comunidade e grupos sociais) teriam uma extensa capacidade de auto-regulamentação. Os dois grandes paradigmas da época moderna foram: o corporativista e o individualista.
No modelo corporativista, o pensamento social e político medieval é dominado pela ideia da existência de uma ordem universal (cosmos), que orientava todas as criaturas para uma finalidade, que o pensamento cristão identificava como o próprio criador. Cada parte do todo cooperava de forma diferente na realização do destino cósmico.
O Poder era, por natureza, repartido e esta partilha de poder devia traduzir-se na autonomia político-jurídica dos corpos sociais, embora que esta autonomia não devia de interferir na articulação natural, ou seja, entre o soberano e os oficiais devia de existir instâncias intermédias. A função do rei é a função da cabeça, ou seja, representar externamente a unidade do corpo e manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio, isto é: foro, direito e privilégio.
Por outro lado, cada corpo social tem a sua própria função. A esta ideia de autonomia funcional juntou-se a ideia autogoverno, que o pensamento jurídico medieval designou por iurisdictio e na qual englobou o poder de fazer leia e estatutos, de constituir magistrados, de julgar os conflitos e de emitir comandos.
O direito desempenha uma função constitucional. Impõe-se a todo o poder e não deve ser alterado, porque se funda nos princípios necessários de toda a convivência humana (affectio societatis). O direito funda a obrigatoriedade dos pactos.
Em virtude, desta função constitucional do direito, toda a atividade política aparece subsumida ao modelos "jurisdicionalista". Ou seja, toda a atividade dos poderes superiores, ou mesmo do poder supremo, é tida como orientada para a resolução de um conflito entre esferas de interesses, conflito que o Poder resolve "fazendo justiça", ou seja, atribuindo a cada um o que, em face da ordem jurídica, lhe compete. Logo, na linguagem jurídico-política medieval, a palavra que designa o Poder seja iurisdictio. Iurisdictio é, antes de mais, o ato de dizer o direito.
No plano da teoria filosófico-social, estas concepções tiveram correspondência no domínio da dogmática jurídica. Assim, surgiram novos instrumentos conceituais que permitiram justificar, do ponto de vista doutrinal, e regular, do ponto de vista institucional, novas realidades sociais e novos arranjos de poder.
Esta dogmática é o meio através do qual a auto-representação da sociedade do Antigo Regime assegura a sua reprodução política alargada.
É a partir do paradigma individualista que se põe em causa se não é legítimo, na compreensão da sociedade, partir do indivíduo e não dos grupos. Na verdade, passou a entender-se que aqueles atributos ou qualidades que se predicam dos indivíduos ( ser pater familias, ser escolar, ser plebeu) e que descrevem as relações sociais em que estes estão integrados não são qualidades incorporadas na sua essência, não são "coisas" sem a consideração das quais a sua natureza não pudesse ser integralmente apreendida, como queriam os "realistas". Antes sendo meros "nomes", externos à essência, e que, portanto, podem ser deixados de lado na consideração desta. Se o fizermos, obtemos uma série de indivíduos "nus", incaracterísticos, intermutáveis, abstratos, "gerais", iguais.
Deste modo, estava quase criado um modelo intelectual. Para se completar a revolução intelectual da teoria política moderna só faltava desligar a sociedade de qualquer realidade metafísica, laicizando a teoria social e libertando o indivíduo de quaisquer limitações transcendentes. Esta revolução levou a cabo um novo entendimento das relações entre Criador e as criaturas. Se Deus se move por "impulsos" e se os seus desígnios são insondáveis, então terá que se compreender o Mundo nas suas manifestações puramente externas, como se Deus não existisse, separando rigorosamente as verdades da fé das aquisições intelectuais. É justamente esta laicização da teoria social que a liberta de todas as anteriores hipotecas à teologia moral, da mesma forma que liberta os indivíduos de todos os vínculos em relação a outra coisa que não sejam as suas evidências racionais e os seus impulsos naturais, reconhecidos por uma longa tradição antropológica de raiz estóica.
Esta laicização da teoria social e a colocação no seu centro do indivíduo, geral e igual, livre e sujeito a impulsos naturais, tem consequências centrais para a compreensão do Poder. A partir daqui, este vai ser concebido como fundado na "vontade". Numa ou noutra de duas perspetivas. Ou na vontade soberana de Deus, manifestada na Terra. Ou pela vontade dos homens que, levados ou pelos perigos e insegurança da sociedade natural ou pelo desejo de maximizar a felicidade e o bem-estar, instituem a sociedade civil. A vontade é, também, a origem do direito. Guilherme d´Occam descrevera-o ou como o que Deus estabeleceu nas escrituras, ou como o que decorre racionalmente de um pacto.
A constituição e o direito tornam-se disponíveis e a sua legitimidade não pode ser questionada em nome de algum critério normativo de mais alta hierarquia. Daqui se extrai que Deus pode enviar tiranos para governar os homens aos quais estes devem, apesar de tudo, obedecer. Extrai-se também que as leis fundamentais, como todos os pactos, são disponíveis, isto é, factíveis e alteráveis pelos homens num dado momento histórico. E, que todo o direito positivo, bem como todas as convenções, enquanto produto direto ou indireto de pactos, são justos.
Este pacto apenas definia a forma de governo. Nesta altura, verificou-se uma corrente menos radical do pensamento político individualista procurou temperar o voluntarismo com alguns ingredientes objetivistas, considerando que, uma vez instituída a sociedade civil, a própria natureza deste impõe aos indivíduos direitos que escapam ao arbítrio da vontade, como lhe escapam aquelas normas que fazem parte da natureza mesma da sociedade (como as que definem o que é o Poder e quais são as relações entre príncipe e súbditos).
O Corporativismo da Segunda Escolástica
Em Espanha, em Portugal e na Itália, circunstâncias várias de natureza estrutural e conjuntural promoveram uma longa sobrevivência do pensamento político e corporativo, fatores esses que explicam o franco predomínio do corporativismo até meados do século XVII.
Neste contexto, é de extrema importância referir o Tratado sobre o governo da República cristã, de Baptista Fragoso. Este foi uma das obras fundamentais do pensamento jurídico-político da Segunda Escolástica eborense, na linha dos ensinamentos de Francisco Vitória, Francisco Suarez e Luís de Molina, também ele professor de Évora. Tratando do "governo da república", Fragoso não deixa de incluir aí o governo da Igreja e o governo da família. Ou seja, ordem sobrenatural, ordem da cidade e ordem da família aparecem aqui lado a lado, como se tivessem a mesma natureza.
O caráter regulado do Poder na sociedade do Antigo Regime exprime-se por uma série de aforismos que sublinham a estrita dependência do rei em relação à lei. A fórmula princeps a legibus solutus ( o príncipe está excuso da obediência à lei) não libertava o rei dos ligames da lei divina e natural. A lei natural continha o preceito de que pacta sunt servanda (os pactos devem de ser cumpridos), acabava-se por entender que não era nem justo nem honesto que o rei faltasse à palavra dada, num pacto ou numa relação solene como a lei.
Segunda a obra Fronstispício do Iudex perfectus, de Tomé de Velasco, de 1652, também a imagem da Justiça e dos juízes modela toda a reflexão sobre o Governo e os governantes. Na sua missão de manter a ordem estabelecida, de dar a cada um o seu e o rei é, antes de tudo, um juiz. O rei perfeito é um juiz perfeito.
Numa sociedade dominada pela ideia de justiça, os juristas desempenham um papel central , quer como produtores de saber social e político, quer como mediadores de conflitos.
A centralidade social dos juristas ainda se reforçava pelo modo de constituírem um grupo que instituía os seus próprios mecanismos de disciplina e de reprodução social, em quase total independência de poderes externos.
O doutor António de Sousa de Macedo, jurista e diplomata, é o autor de uma interessante obra sobre as qualidades do jurista, um verdadeiro compêndio da auto-representação dos juristas, contendo normas que vão da alimentação e que vão da alimentação e vestuário até às leituras.
A Política Católica
A principal corrente da "política católica" é o tacitismo, que propõe uma política pragmática, atenta aos condicionalismos de momento. Adotando um calculismo político moderado, que combina a atenção pela realidade política concreta e pelas suas exigências práticas com o respeito pela natureza sobrenatural da sociedade e do Poder.
Também em Portugal esta corrente intermédia encontrou expositores. Na verdade, nessas décadas conturbadas do início do século XVII, em que a crise financeira , militar e administrativa atingia níveis dramáticos, era de urgente necessidade uma reflexão sobre as matérias de governo que não se esgotasse em tópicos moralistas.
A imagem da família dominava também a auto-representação da sociedade e do Poder. O rei era visto como o pai dos súbditos, a República, como sua esposa, o reino como usa casa. Os laços políticos eram vistos como laços de amor e o governo como uma técnica de disciplina semelhante à da economia.
O Absolutismo Providencialista
Os príncipes são ministros de Deus para o bem: são sagrados pelo seu ofício como representantes da Majestade divina, deputados pela sua providência para a execução dos seus desígnios, era a tese da origem divina imediata do Poder e era defendida por monarcómacos e por jesuítas.
Durante o século XVII, a influência do pensamento absolutista francês em Portugal parece ser pequena, reduzindo-se praticamente a Manuel Fernandes Vila Real. O providencialismo das correntes sebastianistas não deixa de favorecer a ideia de que no rei e nas dinastias depôs Deus uma função escatológica, revelável pelos estudos de sinais encobertos (literatura profética e cabalística, manipulações numéricas, etc.).
Logo no inicio de Setecentos, Sebastião Pacheco Varela, um monge asceta precocemente morto, aproveita alguns conceitos musicais e aritméticos para propor ao príncipe (D. José) ensinamentos de política.
O caráter "pastoral" do poder real tem uma tem uma tradução cénica em diversos cerimoniais, que inculcam a ideia que reinar é um serviço e de que ao rei compete sobretudo a defesa dos pobres e dos miseráveis. Por isso, o tribunal real é o foro privilegiado do pobres, das viúvas e dos miseráveis.
Na foto: Conde duque de Olivares
Durante o século XVII houve duas tentativas de instaurar em Portugal modelos mais ativos de governo, que revolucionassem, sob o impulso do poder da coroa, a "constituição" do reino e o seu viver habitual. Uma delas foi a do conde-duque de Olivares (1621-1640).
O atendado contra D. José (1758) vem propiciar o exacerbamento do regalismo. A pessoa do monarca é sacralizada e qualquer crítica ou atentado que lhe sejam dirigidos são considerados sacrílegos. Em 1760, Braz José Rebello Leite refere-se em termos duríssimos a qualquer ato menos respeitoso da pessoa do monarca. Assim, "não somente os que obram, mas os que proferirem palavra contra a sagrada Pessoa do Rei, incorrem em culpa grave, e se lhe pode, segundo as leis Patrias, aplicar de algum modo a pena até a de morte".
O Absolutismo de Raiz Contratualista
A concepção individualista e voluntarista da sociedade e do Poder é, porventura, a mais difícil de enraizar, quer nas representações sociopolíticas tradicionais, quer nos contextos político-institucionais nacionais. A sua pré-história no pensamento político português também é obscura. O paradigma individualista parece surgir abruptamente, mas com uma força expansiva devastadora, nos meados do século XVIII, como a filosofia de base do pombalismo.
Silva Dias, num notável estudo sobre a teoria política do pombalismo mostra como, na sua primeira fase, o discurso político pombalismo se desenvolveu em torno de duas vertentes do problema central, do ponto de vista da prática política, que era a fundamentação do absolutismo. A primeira vertente, de recorte teológico e juscanonista, abordava a questão das relações entre o poder civil e o poder eclesiástico. A segunda, de pendor jurisdicista, ocupava-se das relações entre a coroa e os outros corpos políticos.
Uma vez que sobre os principais filósofos individualistas e secularizadores do Poder e da sociedade continuavam a impender fortes suspeitas de fundo ético-religioso, a divulgação da sua doutrina no meio universitário português foi obra de autores mais tardios compendiários e divulgadores, designadamente alemães. De entre estes, saliente-se a influência, em Portugal, de J. G. Heineccius (1681-1741), autor de várias sínteses utilizadas no ensino universitário do direito.
Um novo paradigma de governo é aberto pelo pensamento individualista e contratualista, provindo do Centro e Norte da Europa, na segunda metade do século XVII. Em Portugal, porém, as suas influências não se fazem sentir antes do ultimo quartel do século XVIII, quando a tradição cultural da Segunda Escolástica é postergada pela política cultural do pombalismo.
Na segunda metade do século XVIII, uma plêiade de juristas formados no espírito da reforma universitária de 1772, empreendem uma profunda reforma das concepções sobre o poder, o direito e a justiça, influenciada pelo jusracionalismo europeu dos finais do século XVII. O principal deles é Pascoal José de melo Freire dos Reis.
Na imagem: Dissertação historico-iuridica sobre direitos e iurisdição ordenado por Pascoal José Mello Freie para o seu uso particular no ano de 1786.
As prerrogativas da coroa estavam enumeradas nas Ordenações. No entanto, esta lista era casuística, fundada na tradição e não numa definição rigorosa e universal, decorrente do conceito de poder real. Os direitos reais podiam ser concedidos por doação régia, com exceção daqueles que eram sinal de suprema jurisdição, como a suprema justiça, a cunhagem de moeda, a reunião de cortes ou de tribunal coletivo.
Governo e Administração
A "administração da Coroa" durante a época moderna correspondeu, essencialmente, à ação do poder do príncipe cujas "imagens" correspondiam a diversas funções governativas. Para o final do período, a coroa foi-se distinguindo como uma instituição cada vez menos "pública", ao mesmo tempo que o governo do príncipe se tornava mais político e interventor. A expressão "administração da coroa" corresponde, nesta sociedade de poderes concorrentes, à área de ação do poder do príncipe.
Aos vários "corpos" que coexistiam no rei aplicavam-se várias imagens: a de "senhor de justiça e da paz", a de "chefe da casa", "protetor da religião" e "cabeça da república". A cada uma destas imagens atribuíam-se certas funções e prerrogativas. De acordo com a teoria corporativa do Poder e da sociedade , a função suprema do rei era "fazer justiça", ou seja, garantir os equilíbrios sociais estabelecidos e tutelados pelo direito, de que decorria automaticamente a paz. A justiça era, portanto, não apenas uma das áreas de governo mas a sua área por excelência.
Esta concepção jurisdicionalista do Poder não se esgotava, no entanto, na resolução de conflitos e de interesses, integrando também algumas das prerrogativas que hoje incluiríamos na "administração ativa".
A área da "justiça" é, assim, a área em que dominam os órgãos ordinários de governo (tribunais, conselhos, magistrados e oficiais), com competências bem estabelecidas na lei, obedecendo a um processo regulado de formação da decisão, normalmente dominados por "juristas", que na resolução das questões, preferem as razões da iustia e da prudentia aos arbitria da oportunidade e da conveniência.
A terceira área do governo - a economia - correspondia à imagem do rei como "chefe da casa". A doutrina moderna foi particularmente expressiva sobre esta proximidade entre governar a cidade e governar a família.
Dominava a ideia de que , para além de ser guardião dos interesses particulares e de chefe de família, o príncipe encarnava também , como sua cabeça, um interesse superior de toda a república tem uma antiga tradição nas fontes jurídicas.
A sociedade carecia em função de determinados objetivos definidos pelo rei, a quem cabia, doravante, proporcionar "bem-estar" e "segurança" (interna e externa) aos súbditos.
Na caracterização dos principais organismos político-institucionais da administração central da época moderna começaremos pelos tribunais e conselhos, representativos do modelo de organização do Poder.
Os regimes de despotismo esclarecido apresentam alguns traços distintivos que resultam em muitos casos das próprias circunstâncias. O facto de o despotismo esclarecido ter aparecido mais tarde e noutro lugar diferente do da monarquia absoluta teve consequências para a própria forma do regime. Nascido mais tarde, o despotismo esclarecido sofre o contágio do espírito do século. O argumento para legitimar o poder dos déspotas esclarecidos também não era uniforme. Grande parte deles legitimou o seu poder com base na teoria do contrato social de Thomas Hobbes, na qual se falava sobre o direito divino dos reis.Também legitimaram o seu poder com o argumento de que governam por saberem fazê-lo e que, consequentemente, têm de assegurar o progresso de seus povos - de acordo com o novo ethos das Luzes.